Para contextualizar a música é
importante trazer a história que Tim Minchin conta, em seus shows, antes de
inicia-la:
“Ao longo dos anos, eu percebi
que boa parte das pessoas vem pros meus shows particularmente porque eu canto
bastante sobre crenças. Especificamente, no passado eu cantava muitas músicas
sobre fé e religião. E pra ser completamente sincero com vocês eu zombava...
Não no geral, mas de algumas coisas que se possa entender como hipócritas. Mas
eu não quero que vocês fiquem esperando, porque eu não vou mais fazer isso.”
... “Algo me aconteceu quando eu estava na minha última turnê na Austrália.”
... “Estávamos em uma vibe ótima no
bar, mas eu notei um cara que estava, desconfortavelmente, pairando na
periferia do nosso grupo.” ... “Enfim, ele estava parado lá e eventualmente se
aproximou.” ... “O nome dele era Sam.” ... “Ele era de Dandenong. Dos subúrbios
de Dandenong que ficam em Dandenong Ranges ao sudeste de Melbourne.” ... “E
então ele conseguiu me isolar do grupo e disse:
-‘Tim, eu sempre quis falar com
você porque eu sou um fã do seu trabalho e não quero que você pense que eu me
sinto ofendido, nem nada, mas, como você deve ter notado, eu sou um cristão.’”
... “’Eu sempre quis te perguntar por que... Por que você não acredita em
Deus?’
E eu disse:
-‘Bem, Sam, eu não acredito em
Deus pelo mesmo motivo que a maioria das pessoas que não acreditam em algo não
acreditam, porque eu não tive provas o bastante para esclarecer minhas
dúvidas.’”
...“E ele falou:
-‘Bem, Tim, se você quer provas,
que tal isso?’
E ele me contou essa história.
Essa história incrível sobre sua mãe. Sam e sua mãe eram membros de uma grande congregação
evangélica em Dandenong.” ... “E quando fez 60 anos, a mãe do Sam foi ao médico
com um problema nos olhos. Ele a diagnosticou com uma doença degenerativa
irreversível nos olhos. E ele disse que se ela não fizesse uma cirurgia rápida
poderia perder a visão. E a mãe do Sam ficou com medo. Ela não acreditava na
medicina moderna nem confiava em médicos. Ela tinha medo de hospitais e de
cirurgia.” ... “Sam e sua mãe foram para essa igreja, essa igreja incrível, e
naquele domingo, a congregação toda dessa igreja, umas 1700 pessoas, rezaram ao
mesmo tempo pela mãe do Sam. Na terça seguinte ela voltou no médico, e não
havia sinais de que algo sequer esteve errado com seus olhos. Ela estava bem,
ela estava curada. E o motivo dessa história ter me atingido é porque eu sempre
tentei ser intelectualmente sincero comigo e com os outros. E tudo o que eu
sempre pedi foi provas. E lá estava eu testemunhando a narrativa em primeira
pessoa do que só pode ser descrito como um milagre. Então eu fui pra casa e
escrevi essa música.”.
Thank you God - Letra:
I
have an apology to make
I'm
afraid I've made a big mistake
I
turned my face away from you, Lord
I
was too blind to see the light
I
was too weak to feel Your might
I
closed my eyes; I couldn't see the truth, Lord
But
then like Saul on the Damascus road
You
sent a messenger to me, and so
Now
I've have had the truth revealed to me
Please
forgive me all those things I said
I'll
no longer betray you, Lord
I
will pray to you instead
And
I will say, thank you, thank you
Thank
you, God
Thank
you, thank you
Thank
you, God
Thank
you, God, for fixing the cataracts of Sam's mum
I
had no idea, but it's suddenly so clear now
I
feel such a cynic, how could I have been so dumb?
Thank
you for displaying how praying works
A
particular prayer in a particular church
Thank
you Sam for the chance to acknowledge this
Omnipotent
ophthalmologist
Thank
you, God, for fixing the cataracts of Sam's mum
I
didn't realize that it was so simple
But
you've shown a great example of just how it can be done
You
only need to pray in a particular spot
To
a particular version of a particular god,
And
if you pull that off without a hitch,
He
will fix one eye of one middle-class white bitch
I
know in the past my outlook has been limited
I
couldn't see examples of where life had been definitive
But
I can admit it when the evidence is clear,
As
clear as Sam's mum's new cornea
(And
that's extremely clear!)
Thank
you, God, for fixing the cataracts of Sam's mum
I
have to admit that in the past I have been skeptical
But
Sam described this miracle and I am overcome!
How
fitting that the sighting of a sight-based intervention
Should
open my eyes to this exciting new dimension
It's
like someone put an eye chart up in front of me
And
the top five letters say: I C, G O D
Thank
you, Sam, for showing how my point of view has been so flawed
I
assumed there was no God at all but now I see that's cynical
It's
simply that his interests aren't particularly broad
He's
largely undiverted by the starving masses,
Or
the inequality between the various classes
He
gives you strictly limited passes,
Redeemable
for surgery or two-for-one glasses
I
feel so shocking for historically mocking
Your
interests are clearly confined to the ocular
I
bet given the chance, you'd eschew the divine
And
start a little business selling contacts online
Fuck
me Sam, what are the odds
That
of history's endless parade of gods
That
the God you just happened to be taught to believe in
Is
the actual one and he digs on healing,
But
not the AIDS-ridden African nations
Nor
the victims of the plague, nor the flood-addled Asians
But
healthy, privately-insured Australians
With
common and curable corneal degeneration
This
story of Sam's has but a single explanation
A
surgical God who digs on magic operations
No,
it couldn't be mistaken attribution of causation
Born
of a coincidental temporal correlation
Exacerbated
by a general lack of education
Vis-a-vis
physics in Sam's parish congregation
And
it couldn't be that all these pious people are liars
It
couldn't be an artefact of confirmation bias
A
product of groupthink
A
mass delusion
An
Emperor's New Clothes-style fear of exclusion
No,
it's more likely to be an all-powerful magician
Than
the misdiagnosis of the initial condition
Or
one of many cases of spontaneous remission
Or
a record-keeping glitch by the local physician
No,
the only explanation for Sam's mum's seeing
They
prayed to an all-knowing superbeing
To
the omnipresent master of the universe
And
he quite liked the sound of their muttered verse
So
for a bit of a change from his usual stunt
Of
being a sexist, racist, murderous cunt
He
popped down to Dandenong and just like that
Used
his powers to heal the cataracts of Sam's mum
Of
Sam's mum
Thank
you God for fixing the cataracts of Sam's mum!
I
didn't realize that it was such a simple thing
I
feel such a dingaling, what ignorant scum!
Now
I understand how prayer can work
A
particular prayer in a particular church
In
a particular style with a particular stuff
And
for particular problems that aren't particularly tough,
And
for particular people, preferably white
And
for particular senses, preferably sight
A
particular prayer in a particular spot
To
a particular version of a particular god
And
if you get that right, he just might
Take
a break from giving babies malaria
And
pop down to your local area
To
fix the cataracts of your mum!
Obrigado Deus – Tradução:
Eu tenho um pedido de desculpa a
fazer
Receio ter cometido um grande
erro
Me afastei de ti, Senhor
Estava muito cego para ver a luz
Estava muito fraco para sentir
seu poder
Fechei meus olhos; eu não
conseguia ver a verdade, Senhor
Mas então como com Saulo na
estrada de Damasco
Enviaste um mensageiro para mim,
e então
A verdade a mim foi então
revelada
Por favor, perdoe-me por todas
aquelas coisas que disse
Não te trairei mais, Senhor
Invés disso rezarei para ti
E direi: obrigado, obrigado
Obrigado, Deus
Obrigado, obrigado
Obrigado, Deus
Obrigado, Deus, por curar a
catarata da mãe do Sam
Não tinha nem ideia, mas de
repente está tão claro
Me sinto um cínico, como pude ser
tão estúpido?
Obrigado por mostrar como rezar
funciona
Uma oração específica em uma
igreja específica
Obrigado, Sam, pela chance de
reconhecer este
Oftalmologista onipotente
Obrigado, Deus, por curar a
catarata da mãe do Sam
Nem sabia que era tão simples
Mas você me mostrou um bom
exemplo de como pode ser feito
Só precisa rezar em um lugar
específico
Para uma versão específica de um
deus específico
E se você conseguir fazer isso,
sem problemas
Ele irá curar um olho de uma
vadia branca de classe média
Eu sei que anteriormente minha
perspectiva era limitada
Eu não conseguia ver exemplos
onde a vida era definitiva
Mas eu posso admitir quando a
evidência é clara
Tão clara quando a nova córnea da
mãe do Sam
(E isso é extremamente claro!)
Obrigado, Deus, por curar a
catarata da mãe do Sam
Tenho que admitir que no passado
eu era cético
Mas Sam descreveu esse milagre e
agora estou convencido
Quão apropriado a visão de uma
intervenção na visão
Pode abrir meus olhos para essa
nova dimensão emocionante
É como se alguém colocasse uma
tabela optométrica na minha frente
E as primeiras cinco letras
fossem: “E U V E J O D E U S”
Obrigado, Sam, por me mostrar
como meu ponto de vista era tão falho
Assumi que Deus não existia, mas
agora percebo o cinismo
Acontece que os interesses dele
não são necessariamente amplos
Ele é largamente desinteressado
pelas massas famintas
Ou a desigualdade entre as várias
classes
Ele nos dá cupons rigorosamente
limitados
Reembolsáveis em cirurgias ou
"dois óculos pelo preço de um".
Me sinto tão chocado por zombar
historicamente
Seus interesses são claramente
limitados aos oculares
Aposto que dada a oportunidade, Você
se afastaria do divino
E começaria um pequeno negócio
para vender lentes de contato online
Puta merda Sam, quais são as
chances
Que do desfile histórico e
interminável de deuses
O Deus que aconteceu de você ser
ensinado a crer
Ser o verdadeiro e ainda ser o
que manja das curas
Mas não das nações africanas
assoladas pela AIDS
Nem das vítimas da praga, nem dos
asiáticos inundados
Mas de australianas saudáveis e
com plano de saúde
Com degeneração - comum e curável
- da córnea
Esta história do Sam tem uma
simples explicação
Um deus cirurgião que manja de
operações mágicas
Não, não pode ser um erro na
atribuição da causa
Que surgiu de uma coincidente
correlação temporal
Agravada por uma falta de
instrução geral
Vis-a-vis físico na congregação
paroquial do Sam
E também não pode ser que todas
aquelas pessoas piedosas sejam mentirosas
Nem ser um artefato do viés de
confirmação
Um produto do pensamento coletivo
Uma ilusão em massa
Um medo de exclusão como acontece
na fábula "A Roupa Nova do Rei"
Não, é mais provável que seja um
mágico todo poderoso
Que o diagnóstico equivocado da
condição inicial
Ou um dos muitos casos de
remissão espontânea
Ou uma falha ao manter os
registros no consultório
Não, a única explicação para a
mãe de Sam ver
Eles oraram para um ser supremo
onisciente
Para o mestre onipresente do
universo
E ele meio que gostou dos sussurros
Então, para mudar um pouco seus
hábitos costumeiros
De ser sexista, racista, feminicida
Ele apareceu lá em Dandenong e
num passe de mágica
Usou seus poderes para curar a
catarata da mãe do Sam
Da mãe do Sam
Obrigado Deus por consertar a
catarata da mãe do Sam
Não percebi que era uma coisa tão
simples
Me sinto como um pinto mole, um
merda ignorante
Agora eu entendo como uma oração
funciona
Uma oração específica, em uma
igreja específica
Com um estilo específico, com
conteúdo específico
E para problemas específicos, que
nem são tão difíceis assim
E para pessoas específicas, de
preferência brancas
E para sentidos específicos, de
preferência a visão
Uma oração específica, em um
lugar específico
Para uma versão específica, de um
deus específico
E se você fizer tudo certo, ele
até pode
Dar uma pausa de dar malárias às
crianças
E aparecer no seu bairro
Para curar a catarata da sua mãe!
Uma das linhas de pensamento mais importantes para quem já iniciou todo um processo de autoquestionamento em relação à suas próprias crenças, ou a crenças em geral, e que pode funcionar – da maneira como ocorreu comigo – como a última pá de terra no túmulo de sua fé, é trazida ao longo de toda esta canção. Essa simples e ao mesmo tempo complexa linha de pensamento consiste em um profundo entendimento, na extrapolação em último nível do corolário de Carl Sagan, que afirma que “alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”.
Uma das linhas de pensamento mais importantes para quem já iniciou todo um processo de autoquestionamento em relação à suas próprias crenças, ou a crenças em geral, e que pode funcionar – da maneira como ocorreu comigo – como a última pá de terra no túmulo de sua fé, é trazida ao longo de toda esta canção. Essa simples e ao mesmo tempo complexa linha de pensamento consiste em um profundo entendimento, na extrapolação em último nível do corolário de Carl Sagan, que afirma que “alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”.
Nesta discussão, diversos
conceitos entram em jogo, muitos deles já discutidos em outros textos neste
blog, mas passaremos por cada um deles que for necessário, para enriquecermos
esta que é uma das discussões mais interessantes deste blog, baseada em uma das
letras de música mais geniais já escritas em todos os tempos. Sem mais
delongas, vamos destrinchar a citação de Sagan e descobrir o quão intimamente
ligada à letra da música de Tim ela está.
Vivemos afirmando coisas. O tempo
todo, ou estamos alegando coisas, ou estão alegando coisas para nós: o mundo é
redondo, o céu é azul, a água é liquida, o açúcar é doce, o sal é salgado.
Praticamente tudo o que aprendemos sobre tudo, desde crianças, é através de
alegações que outras pessoas estão fazendo. Mas tão importante quanto ouvir estas
alegações é aprender quais destas alegações são verdadeiras e quais são falsas,
e como detectar isto e, infelizmente, este ensinamento não é tão comum nas
escolas, tampouco valorizado socialmente.
Toda e qualquer alegação que é
feita, necessita de argumentos que a suportem. Em outras palavras, a explicação
de cada afirmação que fazemos é tão ou mais importante do que a própria
afirmação, pois é ela que nos trará a medida do quão verdadeira, falsa ou
confiável é tal afirmação. É simples: se eu afirmo que “eu peso mais de
cinquenta quilos”, a maneira mais fácil de mostrar que minha afirmação é
verdadeira é mostrando os números da balança que estiver registrando meu peso,
para a pessoa a quem eu estiver fazendo esta alegação. Neste caso, meu
argumento é irrefutável, pois trata-se de uma evidência concreta, uma prova de
que minha alegação é verdadeira. Mas nem sempre é tão fácil assim.
Os argumentos que sustentam cada
alegação nem sempre são concretos, e podem ter infinitos níveis de
confiabilidade e veracidade. Imagine que, por exemplo, eu alego ter avistado
uma criatura que acredito ser o Pé-Grande, em uma das viagens que eu fiz. No
entanto, não consegui fotografar nem filmar. Além disso, estava sozinho na
ocasião, e o avistei bem de longe. Foi uma aparição rápida e logo ele
desapareceu no meio da mata. Quais são meus argumentos neste caso, além da
minha própria palavra, da minha experiência pessoal? Por mais idôneo que possa
ser meu caráter, as diversas falhas em nosso sistema ocular e a forma como
nosso cérebro funciona, amplamente estudadas, além das características vagas do
relato, como ter acontecido em um curto período de tempo e há uma longa
distância diminuem muito a confiabilidade dos argumentos e, consequentemente,
da probabilidade desta alegação ser verdadeira.
Vamos aprofundar a análise, pois
entraremos agora no ponto crucial desta linha de pensamento: a batalha de
probabilidades. Considerando ainda o último exemplo dado, as vagas
características do relato abrem um leque de possibilidades, uma infinidade de
alternativas, onde em cada uma delas meu relato estaria errado de uma maneira
diferente. Vejamos.
Por ter sido uma aparição muito
rápida, podemos considerar as possibilidades de ter sido apenas uma impressão
de ter avistado um vulto pelo canto do olho, uma sombra de algum pássaro que
voava alto passando pelo sol, a falsa impressão de que algo se move enquanto
nós estamos em movimento, entre outras possibilidades. Já a característica de
ter sido um avistamento de longe, nos despeja uma tonelada de possibilidades,
como o efeito psicológico de pareidolia, ter sido um animal qualquer como um
urso ou macaco, ter sido apenas uma outra pessoa, alucinação leve causada por
um possível medo de estar naquele local sozinho, etc.
Cada uma destas possibilidades
forma nosso montante, nosso pool de
possíveis explicações para este relato, onde em cada uma delas meu relato é
falso em pelo menos algum aspecto, exceto na possibilidade de ter realmente
sido o Pé-Grande, mas é agora que entra a parte mais importante da análise: as
probabilidades individuais.
Suponha que ao todo, existam 100
possibilidades diferentes, um total de cem diferentes explicações para o relato
– onde 99 explicam o avistamento de uma maneira diferente da minha explicação,
e 1 é justamente o relato em si. Se todas as cem possibilidades tiverem a mesma
probabilidade de estar correta, cada uma das alternativas teria 1/100 = 0,01 =
1% de chance de estar correta, no entanto, elas não têm a mesma probabilidade!
Este é justamente o entendimento,
a extrapolação em último nível citado do corolário de Sagan: alegações
extraordinárias exigem evidências extraordinárias! Uma alegação extraordinária
que envolve o avistamento de uma criatura mítica denominada de Pé-Grande,
carrega consigo dezenas, centenas ou até milhares de afirmações junto. Pense
comigo, para que a criatura que eu tenha avistado seja, de fato, o Pé-Grande,
então deve-se também ser verdade que:
1.
O Pé-Grande existe (como nasceu/surgiu?).
2.
Ele consegue sobreviver de alguma forma em algum
lugar (De que se alimenta? Como se defende?).
3.
Ele vive há centenas de anos (pois foi avistado
há mais de cem anos) ou ele deixou descendentes (Como se reproduzem?).
4.
Se deixou descendentes, havia mais de um, sendo
no mínimo um macho e uma fêmea (Como nasceram/surgiram?)
5.
Ele se deslocou, a pé, do último local onde ele
foi avistado até aquele local (o que pode significar distâncias de milhares de
quilômetros em curtos períodos de tempo).
...
Cada uma destas afirmações, como
vimos, levantam outros questionamentos, que por sua vez encadeiam mais
alegações, de maneira que, para que a minha alegação inicial esteja correta,
todas estas outras alegações altamente improváveis devem estar corretas junto,
levando sua probabilidade de ser correta muito (muito mesmo) próxima de zero.
Em outras palavras, a minha afirmação, por ser uma alegação especial pois
envolve um ser mítico com diversas características bizarras, carrega diversas
outras alegações que também devem estar, todas, corretas, formando um conjunto
de alegações extremamente improváveis de ser verdadeiras, tem uma probabilidade
de ser verdadeira infinitamente menor do que cada uma das outras 99
alternativas.
É exatamente esta análise que Tim
Minchin, de uma maneira genial e muito sarcástica, faz nesta música, mudando
apenas o contexto – trata-se de uma alegação ainda mais improvável que a de
nosso exemplo, onde o relato afirma que ocorreu uma cura milagrosa de uma
doença ocular degenerativa irreversível feita por Deus.
Assim como em nossa análise, a
sucessão de alegações agregadas à alegação de Sam é exposta do início até o fim
da música. Para que ele esteja certo, então deve ser verdade também que:
1.
Deus existe (o deus bíblico com todas suas
características, somente Ele em detrimento a todos os outros milhares de deuses
em que já se acreditaram e acreditam até hoje, provenientes de outros milhares
de sistemas de crenças que não são o cristianismo).
2.
Ele atende preces seletivamente – apenas um tipo
específico de oração, em uma congregação específica é atendida (por que?).
3.
Ele não cura ativamente outros diversos tipos de
doenças em outras oportunidades (por que?).
4.
Ele não resolve, de forma ativa como no exemplo
de Sam, problemas de larga escala como a fome e vítimas de desastres naturais
(por que?).
5.
Ele resolve apenas problemas que não são humanamente
impossíveis, ou extremamente difíceis de ser resolvidos, como membros amputados
ou paralisados crescerem novamente ou voltarem a funcionar normalmente (por
que?).
...
Em contrapartida, da mesma forma
como fizemos com nosso exemplo, Tim cita diversas possibilidades alternativas
que também serviriam de explicação para o ocorrido, como um erro de diagnóstico
médico na causa ou no que originou a doença, o efeito psicológico do viés de
confirmação ou de pensamento coletivo, o fenômeno de ilusão em massa, o comum efeito
clínico de remissão espontânea ou até uma troca acidental de documentos no
hospital que pode ter ocorrido ocasionando um diagnóstico de uma pessoa sendo
passado para outra. Cada uma dessas alternativas é infinitamente mais provável
do que a alegação especial de Sam, que necessita de uma explicação, como vimos
acima, bastante especial.
Por fim, devemos enfatizar também
que o trabalho de encontrar as “evidências extraordinárias” que sustentem
qualquer “alegação extraordinária” deve ser única e exclusivamente de quem a
enunciar. Este é o conceito do ônus da prova, que afirma que: “ao debater sobre
qualquer assunto, existe o ônus implícito da necessidade de uma prova que cabe
à pessoa que está fazendo uma afirmação”.
Em outras palavras, afirmações
que atribuam um valor de verdade a uma proposição precisam de provas que
sustentem tal qualificação. Afirmar a existência ou a inexistência de algo,
afirmar o funcionamento ou não funcionamento de um método ou afirmar a presença
ou ausência de uma característica: todas estas afirmações oneram o proponente
com a necessidade de provas que as sustentem. Dessa maneira, a afirmação de Sam
permanece inválida frente às outras possibilidades evidenciadas por Tim, até
que o próprio Sam, pessoa que faz a alegação, a prove.
Enfim, de uma forma bastante divertida, inteligente e crítica na medida certa, a música Thank you God nos dá uma aula do porquê milagres não existem, ou melhor, têm 99,999...% de chances de não serem verdades frente a qualquer outra possível explicação para o tal fenômeno.
Enfim, de uma forma bastante divertida, inteligente e crítica na medida certa, a música Thank you God nos dá uma aula do porquê milagres não existem, ou melhor, têm 99,999...% de chances de não serem verdades frente a qualquer outra possível explicação para o tal fenômeno.