quinta-feira, 26 de abril de 2018

10 centavos - Ensaios sobre a perfeição - Parte 2

Pré-requisito (obrigatório): Ensaios sobre a perfeição - Parte 1

Autor: Gustavo Spina


Na primeira parte deste artigo, vasculhamos simples e brevemente o conceito de perfeição, demonstrando que seus pilares fundamentais são os conceitos de máximo e infinito, chegando à conclusão de que toda e qualquer qualidade que desejarmos incluir como parte integrante da perfeição deverá ser máxima e infinita. [1]

Nesta continuação, aplicaremos este conceito para descobrir as implicações práticas da perfeição. Quais serão as implicações quando tentamos aplicar o conceito de perfeição a algo e a um ser?

Antes mesmo de iniciar a aplicação do conceito de perfeição, devemos levar em consideração que esta é uma característica maleável, indefinida. Como discutimos até agora, podemos adicionar qualquer qualidade como parte integrante da perfeição, e assim estaremos criando uma direção e um sentido pelo qual começamos a medir seus graus de maximização e infinidade. Em outras palavras, a perfeição por si só não adiciona qualidade nenhuma. Dizer que algo ou alguém é perfeito, não significa nada, até que você adicione ao menos uma qualidade à perfeição em questão. É perfeito como? É perfeito em que? A perfeição, apesar de ser constantemente relacionada com a bondade, pode ser apontada para qualquer outra direção. Hipoteticamente, uma forma pode ser perfeitamente quadrada, uma superfície pode ser perfeitamente lisa, ou uma criatura ser perfeitamente maligna; e nenhuma dessas características estão ligadas a algo bom em seu significado mais geral. Ao aplicarmos a característica da perfeição, devemos então primeiramente conferir ao menos uma qualidade, norteando-a, para que possamos prosseguir com as implicações que esta aplicação nos trará.

Começando pela aplicação do conceito de perfeição a algo, lembrando que como “algo” estamos nos referindo a qualquer coisa sem vida, inanimada. Vamos adicionar à perfeição a qualidade da velocidade. Suponhamos então que uma esfera deva ser perfeitamente rápida, veloz.

Aplicando o conceito, devemos:

1. Garantir que a velocidade seja máxima;
2. Garantir que a velocidade seja infinita;

Para a nossa primeira tarefa, sabemos que a máxima velocidade, a qual pode se atingir neste universo é a velocidade da luz [2], de aproximadamente 299.792.458 metros por segundo (m/s) ou 1.079.252.848,8 quilômetros por hora (km/h). [3]

Entretanto, para a nossa segunda tarefa, nos deparamos com um problema. Devemos garantir que a velocidade seja infinita, no entanto, sabemos que não há como ultrapassar a velocidade da luz. Portanto, uma velocidade infinita não é sequer possível de se existir. Mas, por isto, a esfera não pode mais ser perfeitamente veloz? Sim ela pode, e nós acabamos de nos deparar com a primeira implicação resultante da aplicação do conceito de perfeição: o limite teórico.

Ao aplicarmos o conceito da perfeição a um objeto, devemos levar em consideração se a qualidade a que adicionamos à perfeição tem um limite teórico. Havendo um limite, devemos então considerar apenas a primeira de nossas tarefas: garantir que ela seja a máxima possível.

Uma esfera viajando no espaço à velocidade da luz se caracteriza então, em nosso exemplo hipotético, como uma esfera perfeitamente veloz. Na verdade, qualquer esfera viajando à velocidade da luz é uma esfera perfeitamente veloz. Mas, qual delas é mais perfeita? A perfeição não é um conjunto único de características? Sim, esta é apenas a nossa segunda implicação resultante da aplicação do conceito de perfeição: a pluralidade de perfeições.

Uma vez que a qualidade incluída à perfeição possui um limite teórico, isto nos leva a inviabilizar a garantia de que esta qualidade atinja o infinito, garantindo tão somente que esta atinja o seu máximo, ou mínimo: seu limite teórico. Por sua vez, garantir apenas que esta qualidade atinja seu limite teórico inviabiliza sua unicidade, que somente o infinito nos possibilita, resultando na possibilidade da coexistência de infinitas perfeições idênticas! Por isso, é completamente possível que haja duas ou trezentas e quarenta e sete mil esferas igualmente perfeitamente velozes, todas na mesmíssima velocidade, viajando tão rápido quanto a luz no vácuo.

Vamos então deixar esta discussão ainda mais interessante, partindo para a aplicação do conceito de perfeição a um ser, lembrando que como “ser” estamos nos referindo ao conceito inverso de “algo”, qualquer entidade viva, animada. Suponhamos então que uma pessoa deva ser perfeitamente amorosa.

Aplicando o conceito, devemos:

1. Garantir que seu amor seja máximo;
2. Garantir que seu amor seja infinito;

Para a nossa primeira tarefa, sabemos que não há um amor “máximo”. Por maior que possamos imaginar este sentimento, sempre podemos adicionar uma pitada de intensidade e tamanho, aumentando-o ainda mais. Portanto, chegamos a nossa segunda tarefa, garantindo que este amor seja infinito e, por consequência, garantindo a primeira tarefa também.

Dessa forma, somente uma única pessoa, aquela com um amor infinitamente máximo, seria perfeitamente amorosa. Mas, e se esta mesma pessoa sentisse, em qualquer momento, o mais ínfimo sentimento de ódio ou raiva, ela continuaria sendo perfeitamente amorosa? A resposta é não, e nós chegamos à nossa terceira implicação: a contradição lógica.

Quando lidamos com seres, que são intrinsecamente complexos em quantidades de características, devemos nos preocupar não somente em garantir a maximização e a infinidade da qualidade que adicionamos à perfeição, mas também à anulação de todas as características que entrem em contradição lógica com ela. Não é logicamente coerente que um ser com um amor infinito e máximo, sinta raiva ou ódio, portanto, estas características devem ser também excluídas deste ser, para que se concretize sua perfeição.

Para finalizar este texto e esta discussão, não devemos deixar de lado o fato de que o conceito de infinito é um conceito de caráter puramente teórico, jamais observado na prática. [5] E se o infinito não existe na prática, o que acontece com o conceito de perfeição, também na prática? Sendo o infinito inviável praticamente, o conceito de perfeição também se inviabiliza, com exceção apenas nos casos em que existe um limite teórico. Incrível conclusão, não? O fato é que não existe limite teórico para a bondade. Quais serão as implicações disso?

Estes foram meus 10 centavos acerca do conceito de perfeição e suas implicações práticas.

[1] - Publicado em: 2018-25-03. Disponível em: http://ooldam.blogspot.com.br/2018/03/10-centavos-ensaios-sobre-perfeicao.html. Acesso em: 26.04.2018

[4] - https://pt.wikipedia.org/wiki/Infinito Acesso em: 26.04.2018

Nenhum comentário:

Postar um comentário